segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

31 de Janeiro a 20 de fevereiro de 2011

Antes da internação para fazer quimioterapia sempre tem a consulta de rotina para verificar as condições do sangue da pequena. Felizmente, após 30 dias sem quimioterapia, o hemograma dela estava ótimo (para uma criança em tratamento de câncer, obviamente!).

Mas o melhor resultado de exame que tivemos naquela consulta, definitivamente, não foi o exame de sangue. Foi algo totalmente inesperado. Nem lembrávamos da biópsia do material retirado na cirurgia. Mas o oncologista, de frente pro computador, imprimiu o resultado e nos entregou: “Ausência de células neoplásicas no material analisado”.

Não sabíamos nem o que falar. Marcos e eu nos entreolhamos e demos uma risada! “Então não tinha mais nada?” - Perguntou Marcos. O oncologista disse: “Sim! Não tinha mais nada. Mas se não tivéssemos feito a cirurgia, nunca saberíamos.”

Foi impossível não pensar nas pessoas que, antes da cirurgia, diziam que não ia aparecer mais nada... Tio Fernando, Tio Buri, Josely, Simão e a própria Ana Luiza. Todos eles podiam levantar a plaquinha: “Eu já sabia!”

Ana Luiza foi logo dizendo: “Eu bem que avisei que não precisava dessa cirurgia, mas vocês não me escutaram. Agora tô aqui, com a cabeça costurada...” As risadas da gracinha da pequena, se misturaram com a alegria eufórica de mais uma notícia maravilhosa! Ainda meio assustada, tudo que eu pensava era: “Queria tanto ter essa certeza no meu coração. Essa fé inabalável, que a pequena tem. Que vergonha de mim...”

Perguntei ao médico quais seriam os próximos passos, mas nem ele sabia dizer ao certo. Nenhum dos médicos do setor de oncologia pediátrica do hospital imaginava uma resposta tão excelente à quimioterapia. Um rabdomiossarcoma espalhado por todo o corpo (como era o caso da Ana Luiza) dificilmente respondia de forma tão rápida, desaparecendo completamente apenas com a quimioterapia. Os médicos, no seu estilo lacônico, característico da linguagem científica, demonstravam seu entusiamo com a regressão do tumor apenas dizendo: “A resposta à quimioterapia foi brilhante. Excelente.”

Eles já tinham comentado conosco sobre o transplante autólogo – modalidade de transplante onde são coletadas células tronco hematopoiéticas (que dão origens aos componentes sanguíneos) e, após a aplicação de altas doses de quimioterapia (que de tão forte “mata” a medula óssea – produtor de células sanguíneas), elas são reinjetadas e a medula volta a funcionar, produzindo todos os componentes sanguíneos imprescindíveis para uma vida normal.

O transplante autólogo só é indicado para determinados tipos de câncer, conforme os critérios estabelecidos por institutos de pesquisas e comitês de ética, nacionais e internacionais. O principal critério para a adoção dessa modalidade de tratamento é que todas as metástases e o tumor principal tenham sido eliminados, restando muito pouco, ou apenas câncer a nível celular. Só assim, o transplante pode ser indicado com segurança e com chances de sucesso, ou seja, diminuindo as chances de recidiva precoce do tumor - o que é característico do Rabdomiossarcoma.

O rabdomiossarcoma metastático não possui indicação de trasplante autólogo pois existem poucos estudos que estabeleçam essa modalidade de tratamento como sendo eficaz para evitar recidivas. Mas, o grande motivo de não existirem estudos, é que não existe uma quantidade suficiente de crianças que sobrevivam e que consigam chegar até essa fase do tratamento.

Se por um lado saber disso é extremamente assustador, afinal Ana Luiza é uma das crianças que possuem o pior tipo de rabdomiossarcoma existente, por outro lado nos faz ter a certeza e a convicção de que Deus foi extremamente misericordioso conosco e que tudo isso tem um objetivo. Sem dúvidas, passar por essa experiência tem um propósito muito especial, que nos forneceu a chance de mudarmos completamente nossas vidas, perspectivas e atitudes diante das pessoas e da vida.

Internamos para o que seria a última quimioterapia de Ana Luiza antes do suposto transplante autólogo, que seus médicos estavam totalmente inclinados a submetê-la.

Assim que chegamos ao hospital, recebemos a visita muito especial de uma pessoa que também estava enfrentando sua própria luta contra o câncer – a Fabiana.

Mulher linda, por dentro e por fora. Entrou em contato conosco através do blog e combinamos de nos encontrar, pois tanto ela quanto Ana Luiza estariam fazendo quimioterapia no mesmo período. Nós já tínhamos nos conhecido antes, quando ela veio visitar Ana Luiza no pós-cirúrgico, mas essa visita foi especial, pois pudemos conversar bastante e eu pude constatar como os problemas não escolhem momento, nem pessoas.

Fabiana é uma mulher jovem, linda e muito simpática, que teve um diagnóstico devastador de câncer na região abdominal alguns meses após seu casamento. Ela morava na Europa há 10 anos e vivia sua vida feliz, entre sua rotina de trabalho e as reuniões nas casas de amigos e familiares do marido. Recém casada e ainda vivendo um período que para muitos casais é mágico – o início do casamento - resolveu investigar as dores constantes que tinha no estômago e o emagrecimento repentino, quando finalmente descobriu o câncer – incomum para a idade dela e de difícil tratamento.

Desnorteada, resolveu voltar ao Brasil para contar pessoalmente a trágica notícia a sua mãe e familiares, buscando neles, o apoio que é fundamental para um tratamento tão rigoroso como o que ela enfrentaria. Optou por fazer o tratamento no Brasil (no A. C. Camargo, onde seria atendida pelo SUS, após uma longa fila de espera, mas evitando os gastos excessivos que teria caso fizesse o tratamento em Portugal, onde morava).

Infelizmente, seu marido não quis dividir com ela esse fardo e a abandonou sozinha, numa luta extremamente desleal, onde a presença de um companheiro parece ser fundamental. Foi inevitável não me emocionar com sua força. Apesar da triste história (e de tantas outras que vamos conhecendo pelo caminho), Fabiana seguia sua vida. Sem seu companheiro e ainda muito machucada pelo abandono inesperado, ela encontrou forças nos familiares, amigos e pessoas que conheceu ao longo de sua jornada.

Histórias como a de Fabiana e de inúmeras pessoas que conheci, nos mostram o que é problema de verdade. E a gente passa e enxergar as “dificuldades” do dia a dia com tanto desdém que ficamos até meio chatos.

Mas depois de devidamente alojados no quarto, a primeira pergunta de Ana Luiza foi: “Mãe, quero passear lá fora. Podemos ir ao quarto do Arthur? Ele ainda está no hospital, né?

Aquela pergunta me deu um frio na barriga. Sem saber explicar que o Arthur havia falecido, pedi pra que ela me aguardasse no corredor, enquanto eu chamava o Marcos.

Cheios de dedos, explicamos que o Arthur tinha falecido, que estava com papai do céu, sem sentir dor nenhuma. Com uma cara de pavor ela retrucou: “Ele morreu? O Arthur morreu?” Eu imaginava a tristeza dela, principalmente porque a pequena nunca teve contato tão próximo com alguém que tivesse falecido e o pior: de uma doença que ela também tinha, afinal o Arthur também era portador de um rabdomiossarcoma.

Ela não quis mais passear. Quis voltar para o quarto imediatamente e os olhos cheios de lágrimas me deixaram com um nó na garganta. Marcos foi mostrar as notícias sobre o Arthur na internet. “E os pais dele, mamãe? E a vovó dele? Eles devem estar muito tristes...” Disse Ana Luiza, ainda sem acreditar.

Conversamos muito, Marcos explicou que Arthur estava no céu e que estava bem, sem dores, sem doença nenhuma. E que seus pais, apesar da tristeza de terem perdido o lindo filho, entendiam que ele estava bem e feliz.

Após algumas horas vendo e lendo tudo sobre o Arthur na internet, finalmente Ana Luiza entendeu a situação e simplesmente voltou ao normal. Foi passear pelos corredores e brincar. Mais uma lição que a pequena me dava. Ela demonstrou que a vida continua e que se ele está bem, porque ficar se lamentando? Quando eu soube da morte do Arthur, fiquei extremamente abalada por semanas e ainda hoje me entristeço quando lembro das palavras de sua mãe e do amor de seus familiares. Mas Ana Luiza não. Ela é, definitivamente, melhor do que eu.

A quimioterapia começou bem. Seria o mesmo esquema do último ciclo: dois dias de drogas “menos agressivas” e poderíamos ir pra casa. Entretanto, a equipe de oncologistas pediátricos veio até o quarto e nos informou que eles haviam definido os próximos passos: Ana Luiza seria submetida ao transplante autólogo de medula óssea. Para tanto, eles aproveitariam esta internação para implantar o cateter central por onde coletariam as células tronco e as reinjetariam posteriormente.

Os médicos explicaram que, diferente do cateter que ela já utilizava para receber a quimioterapia, este cateter central era externo, com duas vias e um tanto desconfortável – mais tarde entendi que eles usaram de muito eufemismo com relação ao desconforto do cateter. Por ser externo e precisar de curativos diários, o risco de infeccionar era muito elevado, mas que ele era imprescindível para a realização dos procedimentos do transplante.

No dia em que deveria receber a alta hospitalar, ao invés de ir pra casa ela foi para o centro cirúrgico para colocar o tal cateter. Ela estava irredutível, não queria “de jeito nenhum” ir novamente para “aquele lugar horrível”... Mas foi paparicada pelas enfermeiras e rapidamente cedeu, apenas enfatizando que não ia querer “cheirinho” nenhum, se referindo a anestesia inalatória feita com máscara facial. Exatamente como da vez anterior, eu mesma a posicionei na mesa de cirurgia. Rapidamente ela dormiu e eu deixei a sala de cirurgia.

O fato é que nunca vou me acostumar com isso. Vê-la tão indefesa, desmaiada e sendo manipulada por tantas pessoas é sempre desesperador. A sensação é a mesma desde a primeira vez que ela foi para um centro cirúrgico. Acho que nunca vou deixar de temer e me preocupar!!

O procedimento foi muito rápido. Em 40 minutos tudo havia terminado e ela estava na recuperação anestésica. Voltar da anestesia geral é sempre ruim e pra piorar, tinha um cateter com 15cm de plástico pra fora do pescoço dela. Parecia uma grande seringa espetada em seu pescoço. A coisa mais feia e desconfortável que eu já tinha visto. Mas felizmente, os médicos aproveitaram que ela estava anestesiada e tiraram os pontos da cirurgia da cabeça, o que a poupou de mais um incômodo.

Assim que ela acordou da anestesia, achou “um absurdo” aquele cateter. Chorando, ela falava mal de todo mundo: “Esses médicos são terríveis, mãe! Eu não consigo nem mexer o pescoço! Que coisa mais horripilante! Chama essas enfermeiras aí e avisa que eu quero ir embora desse lugar!!”

Voltamos para o quarto no 5º andar e Ana Luiza virou um robô: não mexia, sob qualquer hipótese, o pescoço. Andava toda torta e dura, como se tivesse engolido um cabo de vassoura. Tudo incomodava, principalmente dormir, pois só conseguia ficar em uma única posição. Deitar e levantar da cama era um suplício pois ela sempre sentia muita dor.

No dia seguinte, a chefe da oncologia pediátrica nos chamou até o ambulatório de pediatria para conversar sobre os próximos passos do tratamento. Ela, que sempre demonstrou certa frieza e distanciamento, nos explicava com um olhar mais esperançoso que o transplante, apesar de ainda não ser protocolo em tratamento de rabdomiossarcoma, era uma estratégia que valia a pena tentar, em virtude da excelente resposta a quimioterapia que Ana Luiza tivera.

Ela enfatizou, entretanto, que a equipe estava tendo dificuldades em definir qual seria o condicionamento – drogas utilizadas na quimioterapia de altas doses - que seria aplicado em Ana Luiza. Eles haviam entrado em contato com diversos hospitais, tanto no Brasil, quanto no Exterior e cada um deles dava uma estratégia diferente. O caso de Ana Luiza era completamente incomum e portanto, quase não existiam estudos de caso, artigos ou relatos em outros hospitais de um caso clínico parecido. Sendo assim, o transplante poderia ser um tratamento definitivo ou não. Era um risco que eles estavam assumindo, em virtude da rápida e excelente resposta ao tratamento com quimioterápicos.

Por um lado aquilo me deixava convicta da cura da minha pequena, do milagre recebido e da benção que nunca seria suficientemente agradecida por mim e meus familiares. Mas por outro lado, tudo que a médica explicava me deixava com os nervos a flor da pele e pensando bobagem: “Então os médicos vão testar isso em Ana Luiza? Então eles vão tirar da cabeça deles o que fazer com ela? ” - Que sufoco. Meu coração estava doído demais.

Enfatizou também que quando a medula fosse reimplantada, poderia levar algum tempo até ela voltar a funcionar perfeitamente, o que aumentava os riscos de infecção e dias de internação.

Mas isso vai curá-la?” Perguntei, de olhos arregalados. “Não sabemos, pois como expliquei anteriormente, não existem muitos estudos. Mas esperamos que isso diminua as chances de recidiva do tumor e aumente a sobrevida da sua filha”.

Sobrevida! Como tenho raiva dessa palavra. Eu sei que os médicos a utilizam de forma acadêmica e blá, blá, blá... mas eu não quero que minha filha tenha “sobrevida”. Quero que ela fique curada e pronto. Não quero que ela seja uma estatística, tratada como um número (um óbito a mais ou a menos)... Ouvir as palavras da médica naquelas circunstâncias, era o mesmo que estar comendo um bolo e alguém passar e jogar areia em cima. Ela tentava ser simpática, mas me dava calafrios.

Antes de sairmos do ambulatório, a médica disse que Ana Luiza necessitaria se submeter a uma biópsia da medula, para garantir que não existia mais nenhuma célula cancerígena no material que seria transplantado. Ela disse que tentou subir com a equipe para fazer a biópsia no dia em que ela colocou o cateter, mas que não conseguiram, pois ela já estava acordando da anestesia.

Eu não gostei da ideia de levá-la mais uma vez ao centro cirúrgico. Mas não tínhamos opção e eu entendia certos “desencontros” da equipe, pois eles também estavam tentando assimilar a rapidez das coisas e a melhora repentina de Ana Luiza. Agora era o momento de manter a firmeza e correr atrás das autorizações do plano de saúde, uma dor de cabeça sempre presente quando se trata dessa doença. Felizmente, nosso plano de saúde era excelente e até aquele momento tivemos pouquíssimos aborrecimentos.

Voltamos para o quarto e Ana Luiza estava bem, mas ainda andava igual um robô. Contei que no dia seguinte ela teria que ir, novamente, ao Centro Cirúrgico e ela, como esperado, detestou a ideia. Mas entendeu a importância e disse que a biópsia “nem doía tanto assim”.

No dia seguinte, lá fomos nós, mais uma vez, para o bendito Centro Cirúrgico. Dessa vez, a oncologista preferida de Ana Luiza faria a biópsia, o que a deixou mais tranquila. Assim que o anestesista chegou, Ana Luiza foi logo dizendo: “Nada de cheirinho, viu? Eu detesto esse 'cheirinho fedidinho' que vocês colocam...” Fui até a sala de cirurgia e ela não queria ficar deitada na mesa de jeito nenhum. Dizia que no ato de deitar-se, o local onde tinha sido implantado o cateter, doía demais. E ela ficou sentada.

O anestesista pediu que segurássemos ela com cuidado, pois ele injetaria a anestesia e ela imediatamente perderia os sentidos. Um enfermeiro e eu estávamos ao lado da Ana Luiza quando ela praticamente desmaiou nos meus braços sob efeito da anestesia. Arrumei-a na mesa e os médicos, como sempre, apenas disseram: “Agora você já pode ir, mãe!” E o frio na barriga era exatamente o mesmo das outras vezes em que a deixei na mesa de cirurgia.

O procedimento foi mais rápido que o anterior e Ana Luiza foi para a recuperação anestésica aguardar para voltar para o 5º andar. Ela estava muito desconfortável. No pescoço tinha um cateter horrível, super desconfortável. E agora tinha dois furos nas costas, que a incomodavam bastante para levantar e sentar. Ficou no hospital mais um dia, não dormia bem e sentia dificuldade para andar normalmente.

Além de tudo, ela começou a tomar, duas vezes ao dia, um medicamento via subcutânea (injeção na barriga), para estimular a produção de células de defesa (leucócitos) e células tronco (CD34+). O pavor de injeção (seja do tamanho que for) era pior do que 1000 cateteres enfiados no pescoço e o choro desesperador era inevitável. E o pior, ela tomaria esse medicamento por uns bons 15 dias até ter células tronco suficientes para serem coletadas.

Enfim, recebemos alta. Os médicos vieram conversar e explicaram que aquele era o último ciclo de quimioterapia de Ana Luiza e que se tudo corresse dentro do cronograma, provavelmente no final de maio, receberíamos alta do tratamento, com remissão completa da doença, devendo vir ao hospital uma vez ao mês para exames e consultas de rotina.

Ouvir aquilo era maravilhoso, vocês não conseguem imaginar a alegria do meu coração! Saber que teríamos apenas o transplante e as 30 sessões de radioterapia para concluir o tratamento, era a melhor notícia possível! Quantas crianças não estavam lá, há anos, enfrentando um tratamento? Quantas famílias esperavam anos até conseguir voltar para suas cidades de origem e tocar a vida? E quantas, após anos de luta, viam seus filhos cada vez mais enfraquecidos diante da doença?

Quando chegamos em SP, não existia qualquer previsão para voltarmos para Manaus. Os médicos mais otimistas nos diziam que ela ficaria em tratamento em SP por pelo menos 1 ano e meio. A literatura científica era muito menos otimista e muitas vezes catastrófica, reafirmando inúmeras vezes as poucas chances de uma criança com rabdomiossarcoma metastático sobreviver ao tratamento.

E em apenas 4 meses o câncer de Ana Luiza desapareceu. O que minha família e meus amigos vivenciávamos era algo espetacular. E eu, com meu coração de mãe, não me permitia comemorar por completo. A celebração ocorreria no dia em que eu voltasse com minha filha para nossa casa em Manaus. No dia em que ela entrasse em seu quartinho cheio de bonecas e pulasse na cama! No dia em que eu sentisse o cheiro da minha casa, dos meus lençóis, da minha cozinha... Neste dia sem dúvidas eu me permitiria comemorar, pois finalmente estaríamos tentando voltar a ter nossa vida normal de sempre!

Sem dúvidas receber aquela notícia me deixava feliz. Entretanto, eu estava consciente de que ainda existia um longo e árduo caminho a percorrer. E de fácil, ele não teria absolutamente nada. Marcos voltou mais uma vez para Manaus e ficamos apenas nós três: Ana Luiza, minha mãe e eu.

Ao sair do hospital teríamos uma jornada cansativa: Diariamente, viríamos ao hospital, duas vezes ao dia, para que Ana Luiza recebesse as aplicações de Granulokine e fizesse os hemogramas. Todos os dias saíamos de casa com o céu ainda escuro, pegávamos um táxi, aguardávamos no laboratório, para ela coletar amostras de sangue e, em seguida, aguardávamos quase 1h para ela receber a dose de Granulokine e voltávamos pra casa. No fim da tarde, pegávamos outro táxi, esperávamos mais 1h para a aplicação do medicamento e voltávamos pra casa.

Os 2 primeiros dias foram bem difíceis, mas rapidamente Ana Luiza passou a tirar de letra. Sempre inventava uma brincadeira diferente, conversava com todos os atendentes e enfermeiros, fazia novas amizades e pronto: Aquilo não era nada demais. E o cateter nem incomodava mais.

Mas eu... bem, eu estava moída! Além da rotina desgastante eu não conseguia dormir direito, pois ficava vigiando o sono dela, com medo que ela deitasse por cima do cateter (colocado do lado esquerdo do pescoço) e prejudicasse de alguma forma a coleta das células.

Os médicos estimaram que após o 12º dia de aplicação de Granulokine, os leucócitos estariam bem elevados e ela poderia fazer um exame específico para detectar as células tronco CD34+ na corrente sanguínea. Todavia, 4 dias antes do esperado, os leucócitos haviam subido sobremaneira (50 mil leucócitos!!!) e a enfermeira do setor de transplante de medula pediu que viéssemos ao hospital para fazer o exame específico para avaliar a presença de células CD34+.

Depois de indas e vindas dentro do hospital por causa da falta de autorização do plano de saúde, paguei particular o tal exame e finalmente Ana Luiza conseguiu fazê-lo. Sem este exame, era impossível detectar a presença das células tronco na corrente sanguínea, o que atrasaria a possível coleta. Eu ficava imaginando qual o motivo do plano de saúde autorizar um transplante tão caro e não autorizar um exame de 400 reais, que é imprescindível para o procedimento.

Enfim... Feito o exame, a enfermeira pediu que fôssemos até o Banco de Sangue de SP, localizado dentro do hospital, pois eles seriam os responsáveis pela coleta das células. Os dois médicos nos explicaram como era feito o procedimento e que seria indolor, mas o medo do desconhecido é algo incontrolável. Só em visualizar aquela máquina de aférese enorme e barulhenta que seria utilizada para separar as células, Ana Luiza entrou em pânico achando que fosse sentir dor. Foi dureza convencê-la, mas entre choros e olhos arregalados, ela finalmente entendeu.

Eu precisava resolver inúmeras coisas ao mesmo tempo e, infelizmente, minha mãe tinha amanhecido com uma crise de coluna que a impedia de andar. Quem sabe o que é crise de hérnia discal entenderá a “invalidez” temporária que a pessoa é acometida quando entra em crise.

Minha mãe não é meu braço direito. Ela é meus dois braços e minhas duas pernas. Sem ela aqui desde o início, acho que eu teria sucumbido a primeira avalanche de problemas. Mas naquele dia ela estava impossibilitada, momentaneamente, de me ajudar com Ana Luiza enquanto eu resolvia as burocracias.

Mais uma vez eu contei com Marcos, que de longe me ajudava a resolver as dificuldades com o plano de saúde. E enquanto aguardávamos o resultado dos exames, eu corria de um lado para o outro, tentando que o plano aprovasse os outros exames que ela precisaria, caso o primeiro evidenciasse a presença insuficiente de células. Os médicos esclareceram que é necessária uma quantidade “n” de células tronco e que, as vezes, isso pode demorar algumas semanas, tendo que submetê-la a mais de uma coleta e mais de um exame até a quantidade de células ser suficiente para o transplante.

Eu não achava justo ter que pagar 400 reais todos os dias para fazer um exame que estava diretamente relacionado ao transplante, procedimento que já havia sido autorizado pelo plano de saúde. Aquilo era irracional e eu lutaria até o fim para que eles entendessem a bizarrice da situação.

Incrivelmente, Ana Luiza não precisou mais de nenhum exame, nem de continuar recebendo doses cavalares de Granulokine: O exame apontou que ela tinha 8 vezes mais células que o necessário para a coleta. Os médicos disseram que sua medula óssea, apesar da agressividade da quimioterapia que ela tinha se submetido, estava em excelentes condições e rapidamente respondeu ao estímulo do medicamento, produzindo células tronco de qualidade e em quantidade acima do esperado.

Fiquei extremamente feliz e Ana Luiza iniciou a coleta na mesma data do exame, dia 09/02, às 13h. A coleta das células consistia, basicamente, em: acoplar a máquina de aférese nas duas vias do cateter. Uma das vias, aspirava o sangue da corrente sanguínea e levava até a máquina, que fazia a separação dos componentes sanguíneos, ficando apenas com as células CD34. Estas células ficavam armazenadas em algo parecido com uma bolsa de sangue. Enquanto separava as células, a máquina devolvia, simultaneamente, o restante do sangue pela outra via do cateter.

O processo levava aproximadamente 5 horas para ser concluído e apesar do medo e do choro iniciais, após 1h de coleta, Ana Luiza caiu em sono profundo, acordando somente no término do procedimento.

Terminada a coleta, a bolsa contendo as células tronco era novamente submetida a análise laboratorial (desta vez, depois dos nossos apelos, o plano de saúde autorizou) e em seguida era congelada e ficava armazenada no Banco de Sangue, aguardando o momento de ser reinjetada em Ana Luiza, através do mesmo cateter utilizado na coleta das células.

Em virtude da rapidez com que o procedimento foi feito, o transplante autólogo foi agendado exatamente após 21 dias do último ciclo de quimioterapia, ou seja, dentro do prazo ideal para que ela se mantivesse sempre “protegida” pela quimioterapia, antes de iniciar um novo (e último) ciclo.

E quando eu respirei aliviada, pensando que teríamos alguns dias de “folga” antes da internação, os oncologistas nos “presentearam” com uma lista enorme de exames que Ana Luiza precisaria se submeter antes do transplante. E reiniciava outra maratona.

Consegui agendar todos os exames: Cintilografia óssea, tomografia, ressonância magnética, eletrocardiograma, ecocardiograma, exames laboratoriais (47 exames – foram coletados exatamente 9 tubos de amostras de sangue), consulta com estomatologista, raios X panorâmico dos dentes e consulta com dermatologista e dentista. Todos eles para a mesma semana.

Minha mãe (meus braços e pernas) precisou voltar para Boa Vista e “passou o bastão” para a outra avó: Minha sogra Eliane. Um dia antes de minha mãe voltar para Boa Vista, meus sogros chegaram e participaram da rotina exaustiva de exames.

Segundo os médicos, Ana Luiza precisava estar “100%” antes do transplante. Uma cárie nos dentes poderia ser o suficiente para ela ter uma infecção mais difícil de tratar, ou facilitar o ambiente para a proliferação da mucosite. Ainda tinha a preocupação com a unha do polegar da mão direita, que parecia ter um fungo. Os odontólogos parabenizaram a pequena: seus dentes estavam em perfeitas condições. Ela fez uma limpeza, mas não precisou de mais nada. E durante a consulta com a dermatologista, descobrimos que não se tratava de um fungo na unha e sim de um granuloma piogênico, uma espécie de tumor benigno, que ocorria geralmente em virtude de um trauma ou infecção na unha (algo que até agora não compreendi como aconteceu!!)

A dermatologista nos deu duas opções de tratamento: aplicar anestesia local e retirar parte da unha, ou cauterizar a lesão com ácido e usar iodo e rifamicina duas vezes ao dia.

Conversei com Ana Luiza e era difícil pedir que ela escolhesse entre dois procedimentos traumáticos e doloridos. A dermatologista, optou pelo menos traumático, mas a gritaria ao cauterizar a lesão foi absurda! Mas era algo necessário. Ver minha pequena berrando de dor, maltratava demais meu coração. Eu não podia fraquejar enquanto ela superava mais um desafio. Me restava manter a firmeza, dando toda força do mundo pra ela.

Os exames ocorreram todos dentro do planejado. Apesar da exaustão do corpo (e da mente) e de alguns atrasos que me faziam correr feito louca de um lado para o outro do hospital, tivemos êxito total na realização dos exames. Mais uma vez, Deus mostrava que estava sempre ao nosso lado.

Além da maratona desgastante no hospital, a rotina em casa também era bastante cansativa: Além da dificuldade para tomar banho por causa do cateter, ainda era necessário cuidar da unha duas vezes ao dia e refazer o curativo do cateter 1 vez ao dia. Além disso, tinha as diversas vitaminas e alimentos especiais, para tentar fortalecer sua imunidade antes do transplante.

Enfim, depois da correria, finalmente tivemos um final de semana de descanso. Marcos, que estava em Manaus, veio ficar conosco e a presença dele sempre nos fortalecia muito. Estarmos juntos na véspera desse importante passo no tratamento de Ana Luiza é muito importante para todos nós!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

15 a 30 de Janeiro de 2011 - Recuperação da cirurgia

Acordei de um sono pesado, mas agitado. Quando durmo muito cansada, acabo sonhando muito e sempre acordo mais cansada ainda. A semana anterior foi realmente desgastante, tanto física, quanto emocionalmente e eu realmente precisava tentar dormir e descansar, afinal na próxima semana ainda teríamos a cirurgia, que segundo os médicos, tinha um pós-operatório bastante difícil para Ana Luiza.

Deixei a pequena dormir mais um pouco e apesar do cansaço, acordei grata por tantas notícias maravilhosas e feliz porque finalmente Marcos estava chegando de Manaus.

Assim que ele abriu a porta do apartamento, carregando a mala e a caixa de guaraná Baré – pedido especial da Ana Luiza - ela ouviu a porta e acordou na mesma hora. Ela estava com saudades e deu aquele abraço apertado no “puí”, como ela o chama.

Marcos não é apenas meu marido e o padrasto da Ana Luiza. Nos conhecemos quando ela tinha 2 anos de idade e desde então ele é pessoa que tem estado conosco em todos os momentos, sempre cuidando da gente e demonstrando muito orgulho de nós duas. Ele largou tudo em Belo Horizonte para fazer uma família em Manaus. Casou com uma mãe solteira de 20 e poucos anos, que àquela altura já tinha aceitado encarar a vida sozinha com a filha.

Na minha cabeça, ter conseguido me formar regularmente mesmo grávida e ter arrumado um excelente emprego imediatamente após a formatura, já era o suficiente para eu agradecer eternamente a Deus. Quem é mãe solteira (ou já foi), vai me entender: Com o desafio de criar e sustentar um filho, encontrar um cara sério, disposto a formar uma família, fica em segundo plano. Por mais piegas que possa parecer, formamos uma família simplesmente feliz, cada um relevando os defeitos do outro e tentando viver sempre em harmonia, com muito respeito mútuo e principalmente bom humor.

Temos nossos planos e batalhamos juntos para conseguir realizar todos eles. Antes de tudo isso começar, Marcos e eu estávamos trabalhando bastante para finalmente comprar nossa casa própria. Em diversas ocasiões ficamos tentados a fechar negócio, principalmente porque eu estava trabalhando em duas empresas e meu salário tinha melhorado bastante, mas Marcos sempre teve o pé atrás. Parece que pressentia que as economias poderiam servir para outra finalidade. Ele, definitivamente, é nosso anjo da guarda e sou muito grata por ter encontrado uma pessoa tão bacana para compartilhar a vida.

Hoje, ele tem nos sustentado integralmente aqui em SP e tem mantido nossa casa em Manaus. Estou em licença não-remunerada, o que diminuiu pela metade nossos ganhos. Mas os gastos duplicaram, afinal são duas casas para manter. Temos tido muitos gastos, mas Marcos mantém tudo religiosamente registrado e por curiosidade, um dia somamos todos os nossos gastos até agora. Tomamos um baita susto: realmente um tratamento desses não é fácil, muito menos barato. Mas felizmente nunca nos faltou nada.

Marcos tem cumprido muito mais do que sua responsabilidade. E isso também vai muito além de consideração e respeito. Marcos cuida da gente de verdade. Essa situação toda, tem nos fortalecido ainda mais como família. E serei sempre grata a Deus por isso também.

O final de semana foi muito bom. Meu pai e minha irmã também estavam chegando para a cirurgia de Ana Luiza. Mas àquela altura, muita gente já tinha ligado e perguntado: “Mas os médicos tem certeza que viram alguma coisa? Essa cirurgia é realmente necessária?” Outras pessoas afirmavam sem titubear: “Eles vão fazer essa cirurgia por desencargo de consciência. Não tem mais nada lá, Carol. Você vai ver.”

No fundo eu torcia para que todas elas estivessem certas. Por um momento, quis confrontar todos aqueles médicos e questionar suas decisões, mas desde o início eu tinha pedido a Deus que iluminasse a cabeça e as mãos de cada um dos profissionais que estavam cuidando da minha pequena. Eu precisava confiar e crer nisso. E eu entendia a vontade de Deus se manifestando nas decisões da equipe médica.

No dia da cirurgia, Ana Luiza estava tranquila. Fomos para o hospital cedo e ela iniciou o jejum às 9h da manhã, a cirurgia estava agendada para às 18h. Ainda de manhã, recebemos a visita do João Vitor, seu amigo de escola. Ele tinha sido o par de Ana Luiza, na festa junina da escola. Uma graça de criança. Educado e muito carinhoso com ela. A pequena adorou a visita e os dois brincaram pelo corredor do 5º andar.

Obviamente, Marcos e eu estávamos uma pilha de nervos. Ansiedade, medo, preocupação. As horas não passavam. Chegava 19h, mas não chegava 18h. Na minha cabeça ficavam martelando todos os riscos de uma cirurgia desse porte. Não tirava da cabeça as possíveis sequelas – quase certas – segundo os médicos. Amigos nossos, já acostumados a lidar com crianças que retornavam de neurocirurgias em Manaus, demonstraram sua preocupação: “Ela voltam cheias de sequelas, muito debilitadas, com dor forte, hematomas e edemas. Não é fácil mesmo.” A preocupação se misturava com a esperança e a fé de que Ana Luiza estava sendo protegida por Deus e que teria forças para enfrentar o pós-cirúrgico difícil.

Eu evitava criar expectativas positivas, pois não queria me frustrar e principalmente frustrar meus pais. Mas continuava torcendo e pedindo muito a Deus, que ele cuidasse dela especialmente naquele dia.

Faltando 15 minutos para as 18h, a enfermeira veio trazer uma dose de um sonífero potente, que em poucos minutos a deixaria sonolenta. Ela pediu que eu desse o remédio e a vestisse com a camisola do Centro Cirúrgico, pois as enfermeiras viriam buscá-la.

O quarto do hospital estava lotado de pessoas que vieram nos dar forças. Meu pai, minha irmã Camila, minha mãe, Marcos, Cynthia e Simone. Assim que a enfermeira saiu, Ana Luiza tomou o remédio e começou a chorar. Todo mundo falando ao mesmo tempo, tentando acalmá-la, só deixava-a mais nervosa. Ela me arrastou até o banheiro, fechou a porta, segurou meu rosto e chorando disse: “Estou com muito medo, mamãe! Muito mesmo! Por favor, mamãe! Fala com o Sérgio que eu não preciso dessa cirurgia. Eu estou com muito, muito medo. Eu até já pedi pro Papai do Céu me ajudar a ser forte, mas eu estou com muito medo, mesmo! Eu não quero ir pra aquele lugar horroroso, onde faz a cirurgia. Eu vou ficar com um corte grande na cabeça e todo mundo vai rir de mim”.

Me controlei MUITO para não chorar e deixá-la ainda mais preocupada. Enxugando suas lágrimas eu disse que a cirurgia era necessária, que ela não sentiria nada, pois estaria dormindo. Que a mamãe estaria com ela o tempo todo e o Papai do Céu estava cuidando de tudo. Disse que ela era forte e muito corajosa e que ninguém iria rir dela por causa de uma cicatriz. Pelo contrário, todo mundo ia ficar impressionado com a coragem dela.

Não adiantou nada. Ela estava inconsolável. Chorava aquele choro dolorido, magoado, soluçado. Fiquei com vontade de sair correndo, mas respirei fundo, troquei a roupinha dela, saímos do banheiro e Marcos a abraçou forte, enquanto eu vestia a roupa de acompanhante do Centro Cirúrgico. A enfermeira chegou para nos buscar e ela pediu que Marcos fosse junto até o 9º andar. Meus pais e minha irmã estavam entalados. Parecia que se abrissem a boca, cairiam em prantos. Tentavam se segurar de todos os jeitos, mas os olhos não mentem.

Ana Luiza deitou na maca (e nada de sono!!) e fomos até o elevador. Chegando no 9º andar, Marcos se despediu dela, deu um beijo grande e suando de nervosismo voltou para o quarto. Eu segui de mãos dadas com ela até a sala de indução anestésica.

Chegando lá, ela já estava mais calma (efeito do remédio, creio eu). Abracei-a fortemente, disse que a amava muito e que tudo daria certo. A enfermeira do setor perguntou que horas ela tinha tomado o indutor do sono e achou estranho ela ainda estar acordada. Muito simpática, puxou conversa com Ana Luiza, para tentar acalmá-la. Procurou nas gavetas e lhe deu 3 abaixadores de língua que também eram apitos e tinham cheirinho de chiclete. Ela percebeu que todas as enfermeiras usavam toucas coloridas e uma delas trouxe uma touca rosa florida. Ana Luiza adorou os paparicos.

A enfermeira perguntou sobre os exames de Ana Luiza e eu, por causa do nervosismo, havia esquecido tudo no quarto. Liguei para o Marcos, do telefone da enfermeira e pedi que ele trouxesse tanto os exames, quanto um celular, pois eu estava incomunicável e imaginava a angustia deles, aguardando notícias.

Marcos trouxe tudo, protocolei a entrega dos exames (um calhamaço de papéis) e fiquei tirando fotos da pequena e das enfermeiras. Ela até gravou uma mensagem de vídeo para a vovó: “Vó, quero que você fique calma, tá? Eu estou bem tranquila e vai dar tudo certo!” Ela dizia no vídeo, quase que adivinhando o choro desesperado da vovó...

Mas depois de 50 minutos na indução anestésica, Ana Luiza ainda não tinha dormido. O sonífero não fez nem cócegas na pequena. Os anestesistas vieram e disseram que a sala de cirurgia estava pronta e a equipe já estava toda lá. Eles permitiram que eu ficasse com ela, até ela cair no sono.

A sala de cirurgia ficava no final do longo corredor e era bem grande, mas estava LOTADA. Consegui contar 12 pessoas, entre médicos e instrumentistas. Mas ainda chegava gente. Achei muito estranho tudo aquilo: “Pra que tanta gente, meu Deus?” Pensei eu. Mas assim que chegamos em frente a sala, Ana Luiza já foi logo perguntando pros médicos: “Vocês tem certeza que sabem o que estão fazendo, né? Olha lá!!” Eu dei um sorriso nervoso, pois naquele momento, não conseguia nem pensar direito.

Respirei fundo, entrei na sala ajudando a enfermeira empurrar a maca e eu mesma posicionei Ana Luiza na mesa de cirurgia. Um dos anestesistas pediu que eu segurasse a máscara com o “cheirinho” e aguardei poucos segundos até ela perder a consciência. Beijei seu rosto e sua cabeça, enquanto a equipe colocava os eletrodos para a monitoração. A vontade de chorar desesperadamente era enorme. Uma angústia no peito, uma vontade de que aquilo fosse apenas um sonho. Minha menina, minha filha única, linda, inteligente, bem humorada, obediente, estava lá. Deitada e sendo manipulada pela equipe numa mesa de cirurgia.

O cirurgião responsável me chamou, me apresentou o médico que estaria monitorando exclusivamente os pares de nervos cranianos, na tentativa de preservá-los, evitando a paralisia do olho esquerdo.

Eu apertei forte a mão dos médicos e pedi que cuidassem bem dela. Apenas isso. Não conseguia falar mais nada. Se falasse uma palavra a mais, desabaria em choro. Eles também não falaram nada. E muito sérios apenas consentiram com a cabeça. Eu não sei se aquilo era motivo pra me preocupar ou não. Mas no momento em que saí da sala de cirurgia, não consegui me conter. Abaixei a cabeça e comecei a chorar, pedindo que Deus a protegesse e guiasse a mãos dos médicos.

Nesse momento, uma senhora por volta dos seus 50 anos, toca meu ombro e me dá um forte abraço. Ela diz que é a instrumentista do cirurgião responsável e que cuidaria da minha filha com muito amor. “Fique despreocupada, mãe. Sua filha está sendo assistida por excelentes médicos e eu, pessoalmente, ficarei ao lado dela o tempo todo, ok?”

Fui andando por todo aquele enorme corredor até chegar ao elevador. Chorei muito. Medo, impotência, nervosismo. Mas ao pisar no 5º andar enxuguei as lágrimas e tentei passar tranquilidade, principalmente para os meus pais. Quem estava cuidando da minha filha, desde o início, era Deus. Eu precisava entender isso de uma vez por todas!

Mostrei as fotos e o vídeo de Ana Luiza. Contei que ela estava supertranquila e que a sala estava lotada. Tentei demonstrar que não havia nada com o que se preocupar. Mas numa situação dessas, é quase impossível.

Fizemos um momento de meditação e orações, comandados por Marcos. Ele leu alguns trechos da bíblia, enfatizou a importância de sermos gratos e de entendermos nosso papel na Terra. Ao final, eu fiz uma longa oração e de mãos dadas, agradecemos a Deus. Por horas, ficamos conversando e tentando distrair uns aos outros. Passamos notícias aos inúmeros amigos do twitter e facebook, que também se mantinham em oração e torcendo pelo sucesso da cirurgia. A corrente em favor de Ana Luiza era enorme e aquilo nos fortalecia.

Apesar da ansiedade, inacreditavelmente eu consegui me acalmar. Mas após quase 4h de cirurgia, comecei a ficar nervosa novamente. Fui até o posto de enfermagem para saber se tínhamos como ter alguma notícia do Centro Cirúrgico. A enfermeira, com toda serenidade, disse que assim que a cirurgia terminasse, o médico ligaria avisando e pedindo que a gente subisse para conversar.

E haja andar de um lado para o outro, tentar conversar sobre outro assunto, ver televisão. Nada diminuía a nossa ansiedade. Marcos suando igual uma chaleira e eu roendo até os cotovelos.

Após quase 5 horas de cirurgia, o médico finalmente ligou para o 5º andar e pediu que fôssemos conversar com ele no Centro Cirúrgico. Marcos e eu saímos correndo desesperados até o elevador. Chegando lá, avisamos o enfermeiro que o Dr. Sérgio nos aguardava.

Após alguns minutos, ele apareceu. Bastante suado e com um sorriso no rosto, o neurocirurgião disse: “Que lugarzinho difícil de acessar, hein??” Marcos riu. Eu continuava séria. Nervosismo puro.

O neurocirurgião continuou explicando e disse que a cirurgia tinha sido um sucesso. Que os nervos foram preservados e que conseguiram remover completamente todo o resíduo tumoral que estava no ápice petroso (base do crânio). Apesar de ser um local de difícil acesso, não houve sequelas e a cirurgia representava um salto no tratamento, que a colocava em posição de vantagem na luta contra o câncer.

Ele disse ainda que o material retirado foi enviado para biópsia e Ana Luiza ficaria na UTI (provavelmente de 1 a 2 dias), até estar em condições de voltar ao quarto e que receberia alta em uma semana.

Agradecemos o médico e voltamos para o 5º andar com um sorriso de orelha a orelha. Explicamos tudo aos meus pais, avisamos os amigos pela internet, fizemos algumas ligações, agradecemos a Deus e logo em seguida a enfermeira nos avisou que Ana Luiza já estava sendo encaminhada para a UTI.

Lá fomos nós novamente. Chegando na UTI pediátrica, encontramos a equipe médica saindo do Box de Ana Luiza. Eles nos cumprimentam rapidamente e avisam: “Corram, que ela está acordando e está MUITO chateada”.

Ao entrar no Box, Ana Luiza gritava aborrecida: “Cadê minha mãe?!? Vocês esconderam minha mãe!! Ela tem o DIREITO de estar aqui, viu?!?! Cadê minha mãe!!!! Eu quero minha mãe!” As enfermeiras riram e uma delas disse: “Vem logo mãe, senão ela vai processar o hospital!!”

Parei ao lado dela, segurei sua mãozinha e disse que ficaria com ela a noite toda. “Mamãe tá aqui, filha. Pode ficar tranquila. O papai tá aqui também e vamos ficar com você, tá bom? Não precisa chorar, mamãe está aqui ao seu ladinho!” Eu tentava acalmá-la sem sucesso.

Ela soluçava de tanto chorar, mas o médico intensivista, nos explicou que era normal, em virtude do efeito da anestesia. Que ela estava acordando e frequentemente os pacientes acordavam muito agitados, falando coisas desconexas e que a gente não se assustasse com aquilo.

Fiquei de mãos dadas com ela o tempo todo e Marcos tentava acalmá-la. Ela estava agitada, mas eu sabia que ela estava bem: Dando patada nas enfermeiras e dizendo que os médicos não sabiam de nada, era a Ana Luiza de sempre! Mas finalmente ela cedeu. Parou de chorar e se acalmou. Marcos voltou pra casa com meus pais e eu fiquei na UTI com Ana Luiza durante a madrugada.

Apesar do cansaço, custei a dormir. Toda hora verificando se ela estava bem (apesar dos monitores servirem pra isso). Mas ela dormia tranquila e por volta das 2h30min da madrugada eu finalmente dormi. As 6h30min da manhã, o neurocirurgião veio visitá-la (sim, isso existe! Médico visitando paciente às 6h da madrugada!). Ana Luiza estava dormindo, mas ele disse que ela passou a noite muito bem e que ela faria uma tomografia ainda pela parte da manhã. Se continuasse tudo bem, receberia alta por volta das 13h.

A pequena acordou às 10h da manhã e super bem. Nada de edemas, nada de sequelas, nada de hematomas. Brigou com a enfermeira que colocou fralda nela, argumentou pra refazer o curativo, disse que não precisava tomar banho, principalmente na cama!! Falando muito e cheia de razão era óbvio que ela estava bem mesmo.

Fomos até o setor de imagem para que ela fizesse a tomografia e ainda se sentindo insegura por causa do curativo na cabeça, ajudei ela se posicionar melhor. Mas deu tudo certo e voltamos para a UTI. Ela disse que estava com fome e a enfermeira disse que o almoço dela já estava chegando. Mas ela já foi logo disparando: “Almoço? Mas eu nem tomei café da manhã ainda!! Não tem como você conseguir pelo menos um mingauzinho, pelo amor de Deus?” A tia, morrendo de rir das caras e bocas da pequena, conseguiu “um mingauzinho” e ela tomou todo.

Ainda pela parte da manhã, o oncologista veio visitá-la e surpreso com o aspecto geral da pequena, foi logo falando: “Nossa, Ana Luiza! Você está ótima! Muito bem, mesmo! Nem parece que fez cirurgia...” A pequena foi logo fulminando: “Não parece, porque não foi na sua cabeça, né! Foi na minha!”

Todo mundo caiu na gargalhada, inclusive a própria Ana Luiza. O médico sempre gostou das respostas “na lata” que ela dava e ficou realmente surpreso com a recuperação da cirurgia. Ela recebeu alta da UTI, tendo ficado apenas 12h por lá, quando o previsto era pelo menos uns 2 dias.

Chegou no 5º andar e as técnicas de enfermagem vieram paparicá-la. A enfermeira responsável, tinha determinado que Ana Luiza seria acompanhada por sua profissional preferida, a tia Lu. Ana Luiza adorava a tia Lu e a enfermeira chefe, já experiente e imaginando que a pequena voltaria da cirurgia muito chorosa, com dor e difícil de manipular, achou que a Ana Luiza aceitaria melhor a presença da tia preferida.

Tia Lu veio checar os sinais vitais e ficou impressionada: “Olha mãe, a gente está acostumada a receber pacientes da neurocirurgia e as crianças sempre voltam muito fragilizadas. Sempre muito inchadas, cheias de hematomas, com muita dor, sempre muito chorosas. Trabalho nesse hospital há anos e nunca tinha visto uma criança voltar de uma neurocirurgia assim! Ela está bem demais! Isso é coisa de Deus, viu?”

Ana Luiza ficou super bem. Pedalou no “trator” da ala pediátrica, foi para a escolinha, brincou, contou piada, enfim... estava se sentindo muito bem, mas eventualmente relatava dor de cabeça e um leve enjoo.

No dia seguinte ã alta da UTI, o pai biológico dela veio visitá-la dois depois da cirurgia, mas assim que ele entrou no quarto, Ana Luiza reclamou do perfume forte e pediu que ele tomasse um banho e voltasse depois. Todos nós demos risadas, pois a pequena realmente não tem papas na língua. Ele ficou poucos minutos com ela e saiu, dizendo que voltaria depois e “sem perfume”, para não enjoá-la. Naquele dia, ela apresentou vômitos, mas os médicos nos tranquilizaram dizendo que era normal, se isso ocorresse até 72hs depois de um procedimento. De qualquer modo, seu pai biológico preferiu visitá-la somente no dia que ela recebeu alta, já estando em casa.

Mas alguns dias antes de receber alta, Ana Luiza conheceu o Arthur Amorim, lindo menino de 9 anos, que também lutava contra um rabdomiossarcoma. Diferente de Ana Luiza, ele combatia uma doença sem metástases e quando chegou ao hospital A C Camargo, foi dito à sua família que ele tinha 90% de chances de cura pois a doença estava no início e não havia se espalhado.

Infelizmente, após 2 anos de tratamento, depois de várias cirurgias e quimioterapia com diversas drogas, Arthur havia sido colocado no tratamento paliativo, ou seja, o câncer não regredia e não havia mais nenhum tipo de tratamento que pudesse lhe proporcionar a remissão da doença.

Eu já conhecia a história do Arthur, o menino superinteligente que sabia tudo sobre dinossauros e que era muito amado pela famílias e amigos. Tinha visto sua entrevista no Jô Soares, um sonho que havia se tornado realidade, onde ele falou sobre sua paixão por dinossauros e sobre o primeiro livro: As aventuras de Yoshito, o personagem dinossauro que ele criou. O Arthur definitivamente não era desse mundo. Chorei de emoção ao ver sua força e vontade de viver.

Durante a internação de Ana Luiza, finalmente conhecemos o Arthur e sua família pessoalmente. Sua mãe, a July, nos contou como tudo começou, as indas e vindas do tratamento. A fé inabalável do pequeno e de sua família, as dificuldades vencidas, enfim. Foi uma conversa muito boa e senti o grande amor da July, por seu pequeno Arthur e como essa doença nos torna grandes, ao invés de pequenos.

O tumor no rosto dele cresceu muito e já tomava parte de sua boca, o que dificultava a fala, a alimentação e a respiração. Ana Luiza foi visitá-lo no quarto, jogaram videogame juntos na sala de estar da ala pediátrica e ela conheceu o Yoshito de pelúcia que ele levava a tira colo.

Confesso que no início, tive medo de contar para Ana Luiza que Arthur também tinha um rabdomiossarcoma e fiquei apreensiva com a reação dela ao vê-lo já tão fragilizado e com o rostinho tão deformado pelo cruel câncer. Mas achei importante que ela visse a dificuldade que tantas crianças vivenciam, pois aquilo poderia inspirá-la a ser ainda mais corajosa e valente.

Fomos até o quarto do Arthur e Ana Luiza simplesmente não se importou com nada. Não ficou impressionada, nem olhando assustada. Adorou conhecê-lo e queria, o tempo todo, que fôssemos até o quarto dele, mesmo que não conseguissem conversar nada. Ela dizia que o Arthur era a única criança do tamanho dela e mesmo que eles não pudessem brincar muito, era bom saber que ela tinha um amigo de 9 anos no hospital. Ela tinha gostado muito do Arthur e eu fiquei feliz por isso!

O neurocirurgião pediu que a enfermeira retirasse o curativo de Ana Luiza e deixasse a cabeça e a cicatriz livres. Eu estava preocupada com a reação dela, pois sempre foi muito vaidosa e desde quando foi informada da cirurgia, sua preocupação era o tamanho da cicatriz (que não era nada pequena e bonita, diga-se de passagem!).

Assim que a enfermeira tirou o curativo, Ana Luiza imediatamente pediu um espelho. Quando bateu o olho na cicatriz, começou a chorar. Notei que ela ficou muito triste mesmo! Não imaginava que fosse ficar tão grande.

Assim que a enfermeira saiu, ela chorou muito. Disse que estava com vergonha da cicatriz, que agora ela estava “muito horrível”, além de careca, tinha uma cicatriz grande e feia daquele jeito! Que todo mundo ia rir dela e etc, etc, etc...

Marcos e eu conversamos bastante com ela. Explicamos que ninguém riria dela por causa daquilo. Enfatizamos que o cabelo cresceria e logo, logo, a cicatriz ficaria escondida debaixo dele. Falamos que ela deveria estar agradecida, pois tinha apenas uma cicatriz enquanto tantas crianças já haviam perdido uma perna, um olho, uma parte do rosto, o nariz, enfim... que a cicatriz era muito pequena, diante da grande batalha que ela estava enfrentando e vencendo, com muita coragem e força.

Dissemos que ela estava de parabéns por ser tão corajosa e tentamos, o tempo todo, encorajá-la a não se sentir constrangida por causa da careca e da cicatriz. Perguntei se ela achava que o Arthur tinha vergonha do rosto dele. Eu disse que o Arthur nunca teve vergonha e nunca, ninguém riu dele por causa disso. Que a doença que eles estavam enfrentando era muito triste e as pessoas ficam muito impressionadas com a coragem, principalmente das crianças.

Ela enxugou as lágrimas e disse que queria passear pelo corredor e visitar o Arthur. Já era tarde e ele provavelmente estaria descansando, então disse a ela que iríamos somente passear pelos corredores.

Assim que ela desceu da cama e, enquanto eu calçava meus chinelos, ela virou para o Marcos e disse: “Honestamente? O meu único medo é que você não goste mais de mim e vá embora!”

Marcos tomou um susto, abraçou-a bem forte e disse que jamais a abandonaria, principalmente por causa de uma coisa dessas. Ana Luiza estava com um olhar tão triste, tadinha. E Marcos disse pra ela: “Meu amor, você é minha filha querida. Eu jamais vou sair de perto de você. Eu te amo muito do jeitinho que você é! Não fale uma bobagem dessas”. Ele correu até a pasta de documentos, pegou o Termo de Guarda e leu resumidamente pra ela: “Marcos Varella, afirmou ter vindo prestar compromisso de guardião de Ana Luiza, tendo o compromisso de prestar assistência material, moral e educacional, confiando-lhe o direito de opor-se contra terceiros e de representá-la junto aos órgão públicos. Eu sou como se fosse seu pai, Ana Luiza. E não vou embora. Eu escolhi cuidar de você e agora já temos esse papel aqui, que diz isso, entendeu?” Mal ele terminou de falar, Ana Luiza, daquele seu jeito despachado de sempre disse: “Tá bom, tá bom... Já entendi! Vamos logo passear lá fora, Puí!

E como num passe de mágica, toda sua preocupação com a cicatriz sumiu. Passeou pelos corredores numa boa, sem se importar com nada. Quem ficou de coração partido foi o Marcos, preocupado com as palavras de Ana Luiza, que demonstrou um medo de ser abandonada, que nem sabíamos que ela tinha. Marcos se emocionou muito com os sentimentos da Ana Luiza. Ele achava que ela não tinha mais esse tipo de receio e aquilo o deixou pensativo durante uns 2 dias.

Recebemos alta e fomos pra casa. Ana Luiza estava muito feliz e bem disposta. Almoçou em casa e a tarde recebeu várias visitas: seu pai biológico, que ficou com ela por 1h e o tio Alencar e tia Nalva, que ficaram conosco até a noite. Antes deles irem embora, fomos caminhando até o Habibs que fica a duas quadras do apartamento, para tomar um lanche e conversar. Ana Luiza gosta demais desses “tios tortos”, adora quando eles vem visitá-la.

Os dias em casa foram muito bons. Ana Luiza estava a cada dia melhor. Fomos a consulta de retorno com um dos neurocirurgiões, que a liberou para mais um ciclo de quimioterapia, pois a cicatrização estava perfeita.

Há mais de 1 mês sem quimioterapia os cabelos de Ana Luiza voltaram a nascer. Cílios, sobrancelhas e cabelos cresciam rapidamente. Um dia em frente ao espelho, enquanto fazia seu ritual de escovação dos dentes, Ana Luiza disse rindo: “Meu cabelo está nascendo, mas eu pareço um menino, né? Acho melhor você colocar um brinco em mim!”

Um dia recebemos a notícia que o pequeno guerreiro Arthur havia falecido. Aquilo nos abalou muito. Até escrevendo sobre esse dia, volto a me emocionar. Eu não consegui contar pra Ana Luiza. Não sabia como começar ou como explicar. Fui tomada por uma tristeza muito grande. Criei coragem e mandei uma mensagem para o celular da July, sua mãe, que respondeu dizendo: “Meu anjo agora está no Céu. Continue lutando por esse tesouro de vocês!”. Passei o dia meditando sobre a luta dessa família. Por fim, em concluí que Arthur não era nosso. Ele não era desse mundo. Sua missão na Terra havia sido completada. Ele inspirou muitas pessoas e nunca se deixou abater. Lutou até o último minuto, com muita dignidade e rodeado de amor. Ele estava agora, ao lado do Pai e sem dúvidas não sentia mais dores e desconfortos.

Na véspera da quimioterapia, resolvemos fazer um passeio até o litoral. Convidamos a Bia (adolescente amazonense, que está lutando contra um câncer na perna e fez cirurgia alguns dias depois de Ana Luiza), sua mãe, sua tia (postiça) Helena e Larissa, sua filha. Dois amigos que tem estado presente em nossos dias em SP, Germano e Guillermo também foram conosco. Tinha tudo para ser um passeio ecológico ao litoral de SP, mas terminou sendo um “passeio oncológico”, daqueles que ninguém entra no mar, apenas toma uma leve brisa, almoça e volta pra casa. Mas valeu a pena. Sempre vale a pena e isso fortalece Ana Luiza, que mesmo não podendo se divertir como uma criança saudável, aproveita como pode e volta pra casa animada e esperando o próximo passeio.

Ela dormiu tranquila e no dia seguinte, recomeçava nossa luta.